Quando Chovemos

A chuva aninhou-se e agora repousa entre as folhas das árvores, embalada como uma criança o é por quem lhe quer bem. Enquanto tu dormes, como quem respeita teu sono, nosso jardim dança quase em silêncio, nas pontas dos pés – de laranjeira, de bergamoteira, de nogueira…

Logo ali, um ramo de folhas acolhe a pouca luz da noite em pequenos pedaços d’água. Assim, na delicadeza desses pontos de luz embebidos no escuro, vejo flutuar miúda uma galáxia. São constelações, logo ali, ao alcance do toque das mãos. E, a cada sopro do vento, estrelas cadentes!

Mais cedo, à beira da Redenção, essa chuva mudou a manhã. Terna, pousou sobre os jacarandás. Depois, sobre as pessoas. Nós a recebemos com nossas defesas mais brandas: as mãos fundas nos bolsos, os braços levados ao peito, um caderno feito chapéu… A chuva, as árvores, as pessoas, as novas cores da terra que pisávamos, os passos repensados pisando novos caminhos, o cheiro desse chão chuviscado, algo me conduziu a outras manhãs, muito velhas, escondidas.

Reencontrei as teias de aranha tecidas na grama, nas quais o sereno amanhecia discreto, gotejado. Um segredo.

E retornei à amoreira em que fazíamos morada no verão. A árvore era miúda, mas o éramos mais. A fazíamos cavalo e aprendíamos a montar e desmontar. Às vezes, a amoreira guardava um pouco duma chuva nas folhas, como quem cuida guardar um punhado do alimento para quem vai chegar mais tarde. Depois, sob o sol, chovíamos em nós. A amoreira nos mostrava – e eu pouco o via – que a chuva que nos metia medo depois podia ser brinquedo. Uma ideia tão fascinante e delicada, ou mesmo frágil, quanto as teias tecidas na grama.

Alguém já disse que viu bem longe porque galgou cacundas de gigantes, ou algo assim. Sem dispensar essa ideia, costumava pensar também no avesso: o que fazia gigantes crescerem gigantes talvez fosse essa excentricidade de dar cacunda, de elevar alguém, como fazia a amoreira, como faz essa árvore estrelada logo ali.

Eduardo Pacheco Santos
Psicólogo Clínico
CRP 07/32654

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