Quando rebenta nos olhos, o amanhã verte e marca feito rio.
Sulca seus contornos nas vistas como beijo d’água na terra.
Um dia nascente conduz meus pés uns passos além da curva que, até ontem, findava todo caminho meu.
Enquanto subo ao cimo da estrada, o céu pousa sereno. Vem bem me receber. Faz-se carinho em meu rosto, meus cabelos, minha nuca eriçada. Faz-se um abraço. Tem o perfume d’uma carta de amor aberta agora.
Ali, depois da curva, nesse abraço nosso, o horizonte mergulha em meus olhos.
Vejo a mesma terra vermelha que cora meus pés se estender até muito longe. Desde muito longe. Mas mais: tateio o vermelho dos poros dos tijolos de adobe que esperam quem os faça do barro. Percorro o aconchego da casa corada que quatro mãos cuidadosas erguerão do chão. Ali, com quem comigo faz ninho, partilho aroma, sabor e calor, do almoço e do banho. Partilho o caderno e a cama.
Vejo as flores já abertas nos bougainvilles e amores-agarradinhos. Mas mais: avisto um pé de pequi que aguarda no dentro da semente. Brinco num balangadô pendurado em um de seus galhos. O sol, por entre suas folhas, traz desenhos dançantes à pele e aos olhos de quem me dá embalo, impulso.
Mais: vejo um gurizinho com um sorriso açucarado, que abraça minhas pernas, me pede benção e pergunta o que significa fôlego. Eu respiro o próprio céu.
Entretanto, vejo também uma árvore caída à lama e, nela, vislumbro tormentas que ameaçarão a casa e o balanço. Expõem-se os calos que aguardam as quatro mãos cuidadosas.
A curva que findava andanças sugere que eu recue, que feche os olhos.
Mas o rio verteu e marcou, sulcou seus contornos. Molhou meus olhos.
Mesmo a seca mais dura não esconderá o amanhã que rebentou.
Eduardo Pacheco Santos
Psicólogo Clínico
CRP 07/32654